Na verdade, os
apóstolos do Novo Testamento, como Paulo e João, não foram os primeiros a fazer
uso da estratégia acima a fim de identificar Deus claramente para os pagãos. Um personagem não menos importante como Abraão
empregou o mesmo método dois mil anos antes! Eis a história...
Javé — "Deus" em nossa língua — fez a um
homem, inicialmente chamado Abrão, algumas
promessas estupendas, há cerca de 4.000 anos. Javé ordenou a Abrão que deixasse sua terra, seus parentes e a casa de
seu pai, partindo para um país estranho, distante e provavelmente selvagem (Gn
12.1). Javé prometeu o seguinte se Abrão (cujo nome foi mais
tarde mudado para Abraãoj obedecesse às suas ordens: "De ti farei uma
grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu
uma bênção: abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te
amaldiçoarem" (Gn 12.2-3).
Até
este ponto, o arranjo especial de Javé com Abrão não parece muito diferente dos inúmeros pactos
similares com deuses tribais através de toda a história, feitos com seu círculo
exclusivo de devotos em várias partes do planeta Terra. Seria Javé, como alguns
críticos insinuaram, apenas um outro insignificante deus tribal aguçando os
sentimentos egoísticos de um seguidor com promessas grandiosas destinadas a
fazê-lo voltar repetidamente com nova adoração e homenagem?
Essa
insinuação seria difícil de contestar se não fosse pela última linha deste
acordo Javé-Abrão,
onde o primeiro diz: "Em ti serão benditas todas as famílias da
terra" (Gn 12.3, grifo
acrescentado).
Essa declaração faz
brilhar uma característica especial das promessas de Javé! Ele não abençoava Abrão
com a finalidade de
torná-lo egocêntrico,
arrogante, indiferente. Javé o abençoou para fazer dele uma bênção, e não
apenas para seus próprios parentes! Esta bênção tem como alvo nada menos do que
todas as famílias da terra! Nada poderia ser menos egoísta
ou menos restrito!
Os teólogos chamam de aliança abrâmica a este conjunto de promessas,
mas trata-se de muito mais do que uma simples
aliança entre Deus e um indivíduo específico. Ela marcou o início de um novo e
surpreendente desenvolvimento que os teólogos chamam de revelação especial! Em outras palavras, na ocasião
em que Javé tivesse cumprido todas as suas promessas a Abrão, a humanidade teria
condições de compreender a sabedoria, o amor e o poder de Javé de maneira anteriormente
inconcebível, não apenas aos homens; mas, segundo tudo indica, também aos anjos
(v. IPe 1.12).
Antes de enviar Abrão ao seu novo
destino como "uma bênção a todas as famílias da terra", Javé primeiro
o guiou até uma região desconhecida, habitada por diversas tribos que abrangiam
diferentes clãs e famílias. Eram as tribos dos cananeus, queneus, quenezeus,
cadmoneus, heteus, ferezeus, refains, amorreus, girgaseus e jebuseus (Gn 15.19-21). Além desses 10,
aproximadamente
30 outros povos, espalhados do Egito até a Caldeia, são mencionados por nome só nos primeiros 36 capítulos de Gênesis.
Mais
subdivisões étnicas da humanidade são reconhecidas especificamente nesses 36 capítulos do que em qualquer outra seção de extensão
comparável em qualquer outro ponto da Bíblia!
Ao mover-se
vagarosamente
entre tantos grupos étnicos, seria bastante provável que Abrão viesse a
desenvolver o tipo de perspectiva de todas as famílias da terra (povos), certamente exigido de
alguém destinado a ser uma "bênção para todas as famílias da terra".
Ao que parece, tudo prosseguia da
maneira como Abrão esperava. Mas Javé tinha uma surpresa guardada para ele...
Quando o Senhor disse: "Em ti serão benditas
todas as famílias da terra", Abrão certamente pensou que ele e a nação que
descenderia dele se tornariam a única fonte de iluminação espiritual para toda a
humanidade. Mas não era bem isso que Javé tinha em mente!
De
fato, quando Abrão
finalmente aproximou-se de Canaã (como era chamada aquela terra estrangeira), ele
logo ficou sabendo que duas de suas cidades — Sodoma e Gomorra — já se achavam
mergulhadas em profunda decadência. Outras, especialmente as cidades dos
amorreus, começavam a seguir o exemplo de Sodoma e Gomorra (v. Gn 15.16). Javé,
o Todo-poderoso, não parecia ter outro defensor além de Abrão em toda aquela região do mundo, o que deve ter
feito Abrão
sentir-se realmente muito necessário!
Quando,
porém, Abrão
e sua caravana se entranharam em Canaã, uma agradável surpresa os esperava. Eles passaram
perto de uma cidade chamada Salém, que significa "paz" na língua dos
cananeus. O nome cananeu dessa cidade, incidentalmente, iria
mais tarde fazer surgir a significativa saudação hebraica Shalom e seu equivalente
árabe, Salaam. Salém contribuiria mais tarde com suas cinco letras
para formar a última parte do nome
Jerusalém — "o fundamento
da paz". Porém, ainda mais interessante do que a cidade de Salém
propriamente dita era o rei que reinava sobre ela — Melquisedeque!
O
seu nome é uma combinação de duas outras palavras dos cananeus: melchi —
"rei", e zadok —
"justiça".
Um
"rei de justiça" entre os cananeus, notórios por sua idolatria,
sacrifício de crianças, homossexualismo legalizado
e prostituição no templo? Com certeza Melquisedeque recebeu um nome
completamente impróprio!
Absolutamente
não! Alguns anos mais tarde, ao voltar de uma operação surpreendente de resgate
contra Quedorlaomer
(v. Gn 14.1- 16), Abrão chegou ao vale de Savé. Naqueles dias, os
habitantes da região tinham o costume de chamar o vale de Savé de "vale do
rei" (v. Gn 14.17). Que rei?
Não é difícil
adivinhar! Um historiador judeu de nome Josefo conta-nos que o Vale de Savé não era outro
senão o vale de Hinom que ficava logo abaixo da muralha
situada ao sul da cidade que é agora a velha Jerusalém. Os arqueólogos modernos
que estão escavando as ruínas da Jerusalém dos tempos de Davi esperam
descobrir, em breve, os escombros de uma antiga cidade dos cananeus nessa mesma encosta
entre o
Vale de Savé e a muralha ao sul da antiga Jerusalém!
Não seria de modo algum
surpreendente se essas ruínas queimadas há tanto tempo pertencessem à cidade
de Melquisedeque — a Salém original. E o Vale de
Savé — o "vale do rei" recebeu provavelmente esse
nome para homenagear o próprio rei Melquisedeque!
Mal Abrão entrara nesse
"vale do rei" e já o rei Melquisedeque "trouxe pão e vinho"
para ele. O narrador não diz que Melquisedeque "viajou para encontrar-se com Abrão, levando pão e vinho", mas simplesmente
que ele "trouxe pão e vinho" — talvez outra evidência quanto à
proximidade entre o Vale de Savé e Salém.
Chega agora o inesperado. Este
"rei de justiça" cananeu, segundo o autor de Gênesis, atuava também como "sacerdote do (El Elyon)" — "Deus Altíssimo" (Gn 14.18). Quem era El Elyon?
Tanto El como Elyon eram nomes cananeus para o
próprio Javé. El
ocorre
frequentemente nos textos ugaríticos da antiguidade.3 O termo
cananeu El insinuou-se
até
mesmo na Língua hebraica dos descendentes de Abrão em palavras tais como Betei— "a casa de Deus"; ElShaddai — "Deus Todo-poderoso ou Altíssimo"; e Elúhim — "Deus" (forma plural
de El que não obstante retém um
significado singular misterioso).
Elyon também aparece como um nome para
Deus nos textos antigos escritos em fenício -— uma ramificação posterior da
língua cananeia antiga de Melquisedeque.4 A forma composta El Elyon aparece até numa inscrição
aramaica da Antiguidade encontrada recentemente na Síria.5 Quando
ligados, os dois termos Ele Elyon significam "Deus Altíssimo".
Pergunta: Abrão, o caldeu, que
aparentemente chamava o Todo- poderoso de Yahweh (Javé), ressentiu-se do uso feito por Melquisedeque desse termo cananeu El Elyon como um nome válido para Deus?
Não temos de aguardar uma resposta! Melquisedeque agiu de forma a testar imediatamente a atitude de Abrão: "Abençoou ele (Melquisedeque) a Abrão, e
disse: Bendito seja Abrão
pelo Deus Altíssimo {El Elyon); que possui os céus e a terra; e bendito seja o
Deus Altíssimo {El Elyon), que
entregou os teus adversários nas tuas mãos" (Gn 14.19-20).
Prepare-se
para a resposta de Abrão.
Talvez estejamos prestes a ouvir o
primeiro argumento teológico na narrativa bíblica. O que ele dirá? Vai
responder: "Um momento, alteza! O
nome correto para o Altíssimo é
Yahweh e não El Elyon!
Além disso, não posso aceitar uma bênção oferecida sob esse nome cananeu El Elyon,
visto que todo conceito cananeu deve estar, sem dúvida, tingido de noções pagãs. De todo modo, Javé me disse que eu
é que deverei ser uma bênção para todas as
famílias da terra, inclusive cananeus como Vossa Majestade. Não acha então que
está sendo um tanto presunçoso
ao abençoar-me?"
Nada
disso! A resposta de Abrão
foi simplesmente dar a Melquisedeque
"o dízimo" (a décima parte) de tudo que havia tomado de Quedorlaomer na operação de resgate (Gn 14.20). Este ato de Abrão ao "dar o dízimo" a Melquisedeque deu
lugar mais tarde a um extenso comentário do autor da Epístola aos Hebreus, no Novo Testamento. Por exemplo: "Considerai,
pois, como era grande esse (Melquisedeque) a quem Abrão, o patriarca, pagou o dízimo, tirado dos melhores despojos!" O escritor continuou comentando que o sacerdócio do
cananeu Melquisedeque deveria ser, então, considerado superior ao sacerdócio
levítico do povo judeu, com base no fato de "Levi... pagou-os (os dízimos a Melquisedeque) na pessoa de
Abraão. Porque aquele (Levi)
ainda não tinha sido gerado por seu pai,
quando Melquisedeque saiu ao encontro deste (Abraão)" (Hb 7.4-10).
Com
respeito ao ato de Melquisedeque abençoar Abraão e a aceitação implícita dessa
bênção por parte deste, o mesmo autor comenta que Melquisedeque "abençoou
o que tinha as promessas. Evidentemente, não há qualquer dúvida, que o
inferior é abençoado pelo superior" (Hb 7.6-7, grifo acrescentado).
Mas isso não é tudo que indica a
incrível grandeza desse personagem cananeu chamado Melquisedeque. O autor de
Hebreus cita, a seguir, uma profecia do rei judeu Davi — o rei que primeiro conquistou a antiga Salém das mãos
dos jebuseus (1.000 a.C.) e fez dela Jerusalém,
capital da nação judaica. A profecia declara explicitamente que o Messias
judeu, quando vier, não servirá como membro do sacerdócio levítico
inerentemente temporário, com sua linhagem restrita. Em vez disso, vai ser um
sacerdote da "ordem de Melquisedeque", e cuja ordem não ficará
aparentemente restrita a qualquer linhagem particular. E não apenas isso, mas a
filiação do Messias à "ordem de Melquisedeque" é confirmada por nada
menos que um juramento divino; e Ele pertencerá eternamente à mesma! "O
Senhor
jurou e
não se arrependerá: tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de
Melquisedeque" (SI 110.4, grifo acrescentado).
Javé talvez tivesse avisado Abrão
antecipadamente de que encontraria alguém como Melquisedeque representando o Deus
verdadeiro entre os cananeus. Tudo o que posso dizer é: Se Javé não avisou Abrão com antecedência
sobre Melquisedeque (e o registro não dá qualquer indicação nesse sentido),
então a descoberta de um homem como ele entre os "incultos cananeus"
deve ter realmente abalado o pai Abrão!
Como podemos entender a afirmação
bíblica de que Melquisedeque era espiritualmente superior a Abraão? O que o
tornava superior?
Segundo este autor, a resposta parece estar no que
Melquisedeque representava em contraste com o que era
representado por Abraão na economia de Deus. O tema deste livro é que
Melquisedeque apresen- tou-se no Vale de Savé como um símbolo ou tipo da
revelação geral de Deus à humanidade; Abraão,
por sua vez, representava a revelação especial de Deus à humanidade,
baseada na aliança e registrada no cânon. A revelação geral de Deus é superior
a sua revelação especial de duas maneiras: ela é mais antiga e
tem influenciado cem por cento da humanidade (SI 19) em vez de apenas uma pequena porcentagem!
Assim, era apropriado que Abraão, como representante de um tipo de revelação mais recente e menos universal,
pagasse o seu dízimo de reconhecimento ao representante da revelação geral.
A
presença de Melquisedeque,
anterior à de Abrão, em Canaã, não
diminuiu de forma alguma o destino especial dado por Deus a este último! Pelo
contrário, não existe a menor evidência de que os dois homens se olhassem com a
mais leve insinuação de inveja ou competição. Melquisedeque repartiu seu
"pão e vinho" com Abraão e o abençoou, e Abraão "pagou o
dízimo" a Melquisedeque. Eles eram irmãos em El Elyon/Javé e aliados em
sua causa! Tendo em vista que a revelação geral e a especial têm ambas origem
em El Elyon/Javé, era de se esperar que Melquisedeque repartisse seu pão e
vinho com Abrão
e este "pagasse o dízimo" a
Melquisedeque.
O
surpreendente é que eles continuaram a fazer isso através da história
subsequente da humanidade. Pois à medida que a revelação especial de Javé — vamos chamá-la de fator Abraão —
continuou a estender-se ao mundo, através das eras do Antigo e Novo
Testamentos, ela descobriu sempre que a revelação geral de Javé — que
chamaremos àe. fator
Melquisedeque— já se achava em
cena, trazendo o pão, o vinho e a bênção de boas-vindas!
O
presente livro é minha tentativa de traçar através da história alguns exemplos
desta magnífica interação entre o fator Melquisedeque — a revelação geral de
Deus — e o fator Abraão — a revelação especial de Deus.
Existe,
porém, um terceiro fator. E sua relação não é nada bela. Um outro rei cananeu,
de caráter bem diverso de Melquisedeque, encontrou-se com Abraão naquele mesmo
dia no Vale de Savé. Bera,
rei de Sodoma.
Bera mostrou-se amável também para com Abraão, oferecendo-lhe
os despojos
tirados de Quedorlaomer, os quais tinham sido originalmente produtos de um
saque em Sodoma.
Observe
a reação de Abraão: "Mas Abraão lhe respondeu: Levanto minha mão ao
Senhor, o Deus Altíssimo (Javé — El
Elyon no
original.
Assim como os
apóstolos Paulo e João aceitaram mais tarde o " Theos"
e "Logos" como nomes gregos válidos para o Deus verdadeiro, Abrão em seus dias aceitou El Elyon, o nome cananeu dado a
Deus por Melqui-
sedeque), o que possui os céus e a terra,
e juro que nada tomarei de tudo o que te pertence, nem um fio, nem uma correia
de sandália, para que não digas: "Eu enriqueci a Abrão" (Gn 14.22-23).
Os
representantes do fator Abraão, no decorrer da história, tiveram de seguir o
exemplo dele ao exercer esse mesmo discernimento — a percepção necessária para
distinguir o "fator Melquisedeque" realmente
amigável entre os cananeus, desse outro componente oculto da cultura cananeia —
que chamaremos de "fator Sodoma". Eles tiveram de aprender a aceitar
um e rejeitar o outro, como fez Abrão no vale de Savé.
Passemos agora ao exemplo
seguinte destes três fatores mesclando-se e/ou reagindo, na história:
b)
Os incas
Pergunta: Se Deus deu
a dois
povos pagãos
— cananeus e gregos — testemunho
antecipado de sua existência, não poderia ter Ele feito o mesmo ou pelo menos
uma obra semelhante junto a outros povos pagãos? Todos eles talvez?
Em
outras palavras, o Deus que preparou o evangelho para todos os povos, preparou
também todos os povos para o evangelho? Em caso positivo, então deve ser falsa
a corrente suposição, mantida por milhões de fiéis e incrédulos, no sentido de
os povos pagãos
não poderem compreender e geralmente não
desejarem receber o evangelho cristão, sendo, portanto, injusto tentar
fazê-los aceitá-lo (e um esforço praticamente excessivo e inútil).
No
restante deste livro (e nos volumes subsequentes), vou provar a falsidade dessa
suposição. Deus preparou de fato o mundo gentio para
receber o evangelho. Um número bastante significativo de não cristãos mostrou,
portanto, muito mais disposição em aceitar o evangelho do que os próprios
cristãos em compartilhá-lo com eles. Continue lendo e verá.
O
apóstolo Paulo chamou Epimênides
de "profeta". Ficamos imaginando
que título teria atribuído a Pachacuti, cuja percepção espiritual, como pagão, superava até mesmo a de Epimênides.
Pachacuti
(algumas vezes grafado Pachacutec) foi rei da incrível civilização inca da América do Sul, de 1438 a 1471 d.C.6
Segundo Philip Ainsworth Means, perito em antiguidades andinas, Pachacuti levou o império inca ao seu apogeu. Vejamos, por exemplo, algumas de
suas realizações.
Quando
Pachacuti reconstruiu Cuzco,
a capital inca, ele fez tudo em escala grandiosa, enchendo-a de
palácios, fortes e um novo templo dedicado ao sol. A seguir, mandou levantar um
"fabuloso recinto dourado" em Coricancha — cujo edifício
"rivalizava em esplendor com o próprio templo de Salomão em
Jerusalém!"8 Construiu, outrossim, uma
longa fileira de fortalezas, protegendo as divisas orientais de seu império
contra a invasão de tribos da bacia amazônica. Uma dessas fortalezas, a
majestosa Machu Picchu,
tornou-se durante algum tempo o último
refúgio da nobreza inca
em sua fuga dos brutais conquistadores
espanhóis. De fato, estes jamais encontraram Machu Picchu. Pachacuti a
construiu sobre um alto cimo de montanha, o que a tornou invisível de outras
elevações mais baixas.
Durante
vários séculos, a existência de Machu Picchu permaneceu oculta do mundo
exterior. Uma floresta cerrada encobria o local. Em 1904, porém, um engenheiro
de nome Franklin
vislumbrou as ruínas de uma montanha
distante. Franklin
contou a Thomas Paine sobre a sua descoberta. Paine, um missionário
inglês, servia sob uma sociedade chamada "Regions Beyond Missionary Union" (União Missionária para as Regiões
Remotas). Em 1906, Paine subiu até as ruínas na companhia de outro missionário,
Stuart
McNairn. Eles ficaram assombrados. Mas foi
em 1910 que Hiram
Bingham, de Yale, ao ouvir sobre a descoberta, visitou Paine em Urco. Paine amavelmente forneceu
a Bingham mulas e guias para chegar ao local. Bingham tornou-se mundialmente famoso desde então como o
"descobridor de Machu Picchu, a
Cidade Perdida dos Incas!"
Bingham não deu qualquer crédito a Thomas Paine, mencionando apenas os "boatos
locais" como o fator que o guiara9.
O
médico Daniel Hayden,
que teve contato pessoal com Thomas Paine durante vários anos no Peru, afirma que este
— um homem simples, amado pelos descendentes dos incas em toda a região do Peru — preferiu não corrigir o
"esquecimento" de Bingham. Thomas Paine
continua como um dos missionários cristãos cujas contribuições à ciência não
receberam reconhecimento de cientistas.
Milhares
de turistas visitaram Machu Picchu desde que a nova estrada Hiram Bingham, no Peru, a tornou acessível em 1948. Quem
quer que sinta reverência pelo esplendor de Machu Picchu deveria saber que
Pachacuti, o rei. Que aparentemente a fundou, recebeu crédito por uma
realização muito mais significativa do que a simples construção de fortalezas,
cidades, templos ou monumentos. Da mesma forma que Epimênides, Pachacuti era um daqueles exploradores espirituais
que, nas palavras de Paulo (v. At 17.27), buscou, tateou e encontrou um
Deus muito superior a qualquer "deus" popular de sua própria cultura.
Ao contrário de Epimênides,
Pachacuti não deixou o Deus que descobrira
na categoria de "desconhecido". Ele o identificou pelo nome, e mais
ainda:
Quase
todos que têm algum conhecimento sobre os incas sabem que adoravam Inti — o sol.
Todavia,
em 1575, em Cuzco,
um sacerdote espanhol chamado Cristobel De
Molina
colecionou vários hinos incas — e certas tradições ligadas a eles — provando que
a divindade de Inti nem sempre se mostrou indiscutível, até mesmo aos olhos dos
próprios incas.
De Molina escreveu
os hinos e suas tradições na língua inca, ou quechua, com a ortografia adaptada do espanhol. Os incas não tinham um sistema de escrita. Essa coleção
inteira de tradições e hinos reporta-se ao reinado de Pachacuti.
Os
eruditos modernos, ao redescobrirem
a coletânea de De Molina, maravilharam-se com o seu conteúdo revolucionário.
Alguns, a princípio, não quiseram crer que fosse realmente inca! Tinham certeza de que o próprio De Molina deveria ter introduzido seu pensamento europeu na
composição inca
original. Alfred Metraux, porém, em sua obra History ofthe Incas ("História
dos Incas"),
concorda com o Professor John H. Rowe
que, segundo ele, "foi bem-sucedi- do em restaurar os hinos à sua versão
original, (e está) convencido de que nada devem aos ensinos missionários. As
formas e expressões usadas são basicamente diversas das encontradas na liturgia
cristã na língua inca".10
Novas
confirmações da autenticidade da compilação de De Molina vieram à tona. Um outro hino do mesmo gênero, diz
Metraux, foi "milagrosamente preservado por Yamqui Salcamaygua Pachacuti, um cronista índio do século XVII... Basta comparar este outro hino com os colecionados
por De Molina
em 1575, para compreender que todos
pertencem às mesmas tradições literárias e religiosas".11
Metraux
declara: "Pela sua profundidade de pensamento e lirismo sublime (o hino inca preservado por Yamqui) é comparável aos mais belos
Salmos".12
O
que havia de tão revolucionário a respeito dos hinos? As tradições descobertas
com eles declaram incisivamente que Pachacuti — o rei tão dedicado à adoração
do sol, que reconstruiu o templo de Inti em Cuzco — começou, mais tarde, a questionar as credenciais
de seu deus! Philip Ainsworth Means, comentando sobre o descontentamento de
Pachacuti com Inti, escreveu: "Ele ressaltou que esse corpo luminoso
segue sempre um caminho determinado, realiza tarefas definidas e mantém horas
certas como as de um trabalhador". Em outras palavras, se Inti é Deus,
por que ele nunca faz algo original? O rei refletiu novamente. Ele notou que "a
radiação solar pode ser diminuída por qualquer nuvem que passe". Ou seja,
se Inti fosse realmente Deus, nenhuma
simples coisa criada teria poder para reduzir a sua luz !"13
Pachacuti
tropeçou inesperadamente na verdade de que estivera adorando um simples objeto como Criador!
Corajosamente, ele avançou para a pergunta inevitável: Se Inti não é o Deus
verdadeiro, quem é Ele então?
Onde
um inca
pagão, afastado dos
conhecimentos judaico-cris- tãos, poderia encontrar a resposta a essa pergunta?
Ela
é bastante simples — mediante as antigas tradições latentes em sua própria
cultura! A possibilidade desse evento foi prevista pelo apóstolo Paulo, quando
escreveu que Theos, no passado, "permitiu que todos os povos
andassem nos seus próprios caminhos;
contudo, não se deixou ficar sem testemunho" (At 14.16-17, grifo acrescentado).
Pachacuti
tomou o testemunho que extraíra diretamente da criação e o colocou ao lado da
quase extinta memória de sua cultura: Viracocha — o Senhor, o Criador onipotente de todas as
coisas.
Tudo
o que restava da anterior lealdade inca a Viracocha era um
santuário chamado Quishuarcancha, situado
na parte superior do vale Vilcanota.14 Pachacuti
lembrou também que seu pai, Hatun Tupac, afirmou certa vez ter recebido
conselho num sonho por parte de Viracocha. Este, nesse sonho, lembrou Hatun
Tupac que Ele era verdadeiramente o Criador
de todas as coisas. Hatun Tupac
imediatamente passou a fazer-se chamar (ousamos dizer que vaidosamente?)
Viracocha!
O
conceito de Viracocha era, portanto, antiquíssimo com
toda probabilidade. A adoração de Inti e outros deuses, sob esta perspectiva,
não passava de desvios recentes de um sistema de crença original mais puro. Metraux insinua isso quando observa que Viracocha teve
representantes proeminentes nas culturas indígenas "desde o Alasca à Terra
do Fogo",15 enquanto a adoração do sol aparece em relativamente
poucas culturas.
Pachacuti
decidiu aparentemente que seu pai redescobrira algo
básico e autêntico, mas não prosseguira com a descoberta até onde deveria ir!
Resolveu que ele, como filho, aprofundar-se-ia na realidade tocada pelo pai (ou
seria essa realidade que de fato o estava levando a aprofundar-se?).
Um
Deus que criara todas as coisas, concluiu Pachacuti, merece ser adorado! Ao
mesmo tempo, seria incoerente adorar parte de sua criação como se fosse o
próprio Deus! Pachacuti chegou a uma firme decisão — essa tolice de adorar Inti
como Deus já fora longe demais, pelo menos quanto a ele e seus súditos da
classe alta.
Pachacuti entrou em
ação. Ele convocou uma reunião dos sacerdotes do sol — um equivalente pagão do Concílio de
Niceia — na bela Coricancha. De fato, um erudito chama esse congresso de Concílio de
Coricancha, colocando-o então
entre os grandes concílios
teológicos da história.16
Nesse concílios,
Pachacuti apresentou suas dúvidas sobre
Inti em "três sentenças":
1. Inti não pode ser universal se, ao dar luz a
alguns, ele a nega a outros.
2. Ele não pode ser perfeito se jamais consegue ficar
à vontade, descansando.
3. Ele não pode ser também todo-poderoso se a menor
nuvem consegue encobri-lo.17
A
seguir, Pachacuti reavivou a memória de seus súditos da classe superior quanto
ao onipotente Viracocha, citando seus estupendos atributos. O dr. B.C. Brundage, da Universidade de Oklahoma, nos EUA, resume a descrição de Viracocha, feita por
Pachacuti, como segue: "Ele é antigo, remoto, supremo e não criado.
Também não necessita da satisfação vulgar de uma consorte. Ele se manifesta
como uma trindade quando assim o deseja,... caso contrário, apenas guerreiros e
arcanjos celestiais rodeiam a sua solidão. Ele criou todos os povos pela sua
"palavra" (sombras de Heráclito, Platão,
Filo e do apóstolo João!), assim como todos os huacas (espíritos). Ele é o Destino do homem, ordenando
seus dias e sustentando-o. E, na verdade, o princípio da vida, pois aquece os
seres humanos através de seu filho criado, Punchao (o disco do sol, que de alguma forma se distinguia de Inti). E ele quem traz a paz e a ordem. E
abençoado em seu próprio ser e tem piedade da miséria humana. Só ele julga e
absolve os homens, capacitando-os a combater suas tendências perversas".18
Pachacuti
ordenou, a seguir, que Inti fosse daí por diante respeitado como apenas um
"parente" — uma entidade amiga criada. As orações deveriam ser
dirigidas a Viracocha com a mais profunda reverência e humildade.19
Como
resultado do concílio,
Pachacuti compôs hinos reverentes a
Viracocha, os quais, por fim, passaram a fazer parte da coleção de De Molina.
Alguns
sacerdotes do sol reagiram com "amarga hostilidade".20 As
declarações de Pachacuti golpearam seus interesses como uma granada. Outros
consideraram a lógica de Pachacuti irresistível e concordaram em servir
Viracocha! Dentre estes, porém, vários se preocupavam com um problema prático:
Como reagiriam as massas quando os sacerdotes do sol anunciasserh: "Tudo
que ensinamos durante os séculos que se passavam estava errado! Inti não é
absolutamente Deus! Esses templos imensos que construíram para eles com tanto
esforço — e por sua ordem — são inúteis. Todos os rituais e orações ligados a
Inti de nada valem. Precisamos começar, agora, da estaca zero com o Deus
verdadeiro — Viracocha!"
Tal
notícia não produziria cinismo, incredulidade? Ou até mesmo daria lugar a um
levante social?
Pachacuti
cedeu à diplomacia política. "Ele ordenou [...] que a adoração de
Viracocha ficasse confinada à nobreza, (pois era) [...] sutil e sublime demais
para o povo comum (sic!)."21
Para
sermos justos, precisamos admitir que Pachacuti pode ter esperado que a
adoração de Viracocha — tendo o devido tempo para infiltrar-se como fermento -—
viesse por fim a ser adotada pelas classes mais baixas. Tempo, entretanto, era
algo que sua reforma, ainda embrionária, não tinha em grande quantidade.
Pachacuti nem sequer sonhava que a sua decisão de favorecimento de classes seria fatal. Historicamente, as classes
são um fenômeno social de curta duração notória; o povo comum é que permanece.
Isso aconteceu também com a nobreza inca. Depois de um século
da morte de Pachacuti, conquistadores espanhóis cruéis eliminaram a família
real e a classe alta. Como as classes baixas haviam sido relegadas à escuridão
espiritual, com suas ideias
erradas sobre Inti e outros deuses falsos,
não puderam dar continuidade à reforma de Pachacuti. Ela morreu ainda
incipiente; foi, na verdade, uma minirreforma.
Por
que o império inca
foi derrubado apenas um século depois de
seu apogeu sob o rei Pachacuti? Viracocha se zangara pelo fato de a nobreza ter
ocultado da plebe o conhecimento de sua pessoa? O que teria acontecido se
missionários cristãos procedentes da Europa tivessem chegado ao Peru duas ou
três gerações antes dos conquistadores? Esse período seria certamente o
momento exato para a chegada do evangelho. O interesse pelo conceito de um
Deus supremo alcançara seu ponto máximo em meio à família real e à classe alta.
Os mensageiros do evangelho teriam tido quase um século para fazer uma gloriosa
colheita por todo o império, antes que os conquistadores atacassem! Além
disso, os incas
acreditavam numa vaga profecia de que
futuramente Viracocha lhes traria bênçãos do Ocidente, isto é, pelo mar. Mas os
compassivos
mensageiros cristãos, quem quer que tenham
sido, deixaram de comparecer. Em seu lugar, veio um conquistador político
impiedoso e interesseiro
— Pizarro —
com seu exército voraz. Fingindo agir em nome de Deus, Pizarro aproxi- mou-se do Peru pelo mar e tirou partido das
esperanças incas
monoteístas, destruindo tanto o povo como
o seu império.
Ainda
antes de Pizarro,
Hernando Cortez aproveitou-se de
expectativas semelhantes entre os astecas e acabou com eles. Como a história poderia
ter-se desenrolado de modo diferente, se apenas os verdadeiros emissários do
evangelho tivessem chegado primeiro! Não só para transmitir sua mensagem, mas
também para servir como mediadores aos astecas, incas e outros povos ameaçados das Américas, ensinando-os
antecipadamente a tratar com as forças políticas e comerciais que logo surgiriam. Os astecas e incas não teriam então se curvado diante de Cortez e Pizarro, pois
não os teriam visto como aqueles que deram cumprimento às suas lendas, já que
estas já teriam sido cumpridas! Os impérios maia, asteca e inca talvez tivessem sobrevivido
até hoje.
Quanta
ironia também no fato de os católicos espanhóis, em seu zelo de abolir a
"idolatria" inca,
terem destruído uma crença monoteísta que serviu como um Antigo Testamento provisório, no
sentido de abrir a mente de milhares às boas novas da encarnação de Viracocha na pessoa de seu Filho. Note que eu
disse Antigo Testamento "provisório" e não "substituto".
Todavia,
como diz o poeta Omar
Khayyam, "Move-se a mão que escreve,
e tendo escrito, segue adiante". É tarde demais para trazer de volta
Pachacuti e seu império, a fim de tratá-los com mais justiça do que o fizeram
os espanhóis. O que importa agora? Que
nós, filhos da presente
geração, tratemos com justiça os filhos de Pachacuti que sobreviveram ao
holocausto espanhol — os quechuas.
Vamos
colocar a reforma de Pachacuti em perspectiva histórica. Vamos compará-lo por
um momento com Aquenaton, Faraó egípcio que tentou também uma reforma
religiosa. Os egiptólogos proclamam Aquenaton (1379-1361 a.C.) como um gênio
raro por ter tentado — ainda que sem sucesso — substituir a idolatria confusa e
vulgar do Egito antigo pela adoração do sol.22 Pachacuti, no
entanto, encontra-se anos luz à frente de Aquenaton por compreender que o sol,
que podia apenas cegar os olhos humanos, não tinha condições de competir com um
Deus grande demais para ser visto pelos olhos do homem! Como é curioso o fato
de que os eruditos modernos tenham feito tanta publicidade em torno da reforma
de Aquenaton, enquanto a de Pachacuti é mencionada somente em obscuros
livros-texto para iniciados.
Vamos
retificar os registros.
Se
a adoração do sol por Aquenaton estava um degrau acima da idolatria, a escolha
de Pachacuti de adorar a Deus em lugar do sol foi como um salto para a estratosfera! Descobrir um
homem como Pachacuti no Peru do século XV é tão surpreendente quanto encontrar um Abraão em Ur ou
um Melquisedeque
entre os cananeus. Se fosse possível voltar
no tempo, Pachacuti seria alguém que eu certamente gostaria de conhecer. Gosto
de chamá-lo de "Melquisedeque inca".
Os
atenienses e cretenses
da época de Epimênides e os incas dos dias de Pachacuti
morreram sem ouvir o evangelho de Jesus Cristo. O que dizer disso? Não houve
povos pagãos
que
tenham vivido para receber
as bênçãos do evangelho, os quais já tivessem um conceito de Deus?
A história registra,
de fato, muitos povos desse tipo. Este que é apresentado a seguir é um dentre
eles.
(Trecho do livro O
Fator Melquisedeque, Don Richardson)
Fantástico professora!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir